O que se busca ao ser mentor?
Em uma live que fiz de abertura para 9ª edição do programa Mentoria Colaborativa – Nós por Elas, realizado todos os meses pelo Instituto IVG e do qual sou patronesse, e voltada para os mentores do programa, propus algumas reflexões que acredito serem pertinentes para não apenas quem trabalha com programas de mentoria estruturadas, mas também para toda dinâmica de relações em que há uma figura um mentor e um mentorado, mesmo que não de forma declarada, ou oficializada.
Quando comecei a trabalhar a mentoria, nos anos 90, era fácil de imaginar que mentoria significava que alguém com mais experiência iria compartilhar com alguém com menos experiência. E que, por meio dessa troca, estaria sendo muito útil para aquele que tinha menos experiência.
Ou seja, de alguma forma, havia uma figura de autoridades, de alguém que sabia mais, ou tinha vivido mais, diante de alguém “que tinha menos”. A qualidade da conversação é que faria a diferença, entre um papel, de um professor, tutor, treinador ou conselheiro. Mas seria a qualidade da conversação e os temas trabalhados que iriam efetivar o que se esperava ser um bom trabalho de um mentor.
Mas, seria somente isso o processo transformador da mentoria? Onde estão de fato os elementos de troca de trabalho?
Antes de tudo, precisamos nos situar um pouco nesse processo.Nós, como seres humanos, somos os únicos capazes de analisar o nosso entorno, os nossos contextos, tomar decisões, de nos posicionar e exercitar o que queremos, desejamos e precisamos. É isso que nos coloca como seres livres.
Mas, para ser iguais, precisamos ser diferentes. Precisamos ter a igualdade de condições, de acessos, de permissões e espaços de expressão. Mas precisamos ser diferentes uns dos outros, e é isso que nos torna iguais. Portanto, precisamos guardar esse primeiro conceito, de que somos diferentes por natureza, para partirmos para as próximas reflexões.
Partindo agora para o processo de transformação, é muito importante que o mentor entenda o seu papel na vida do mentorado. Quando ele diz que se transformou por ter passado por uma mentoria, isso é muito poderoso. Significa que essa pessoa teve acesso a si mesma, com o que precisa, decidiu fazer alguma coisa e está fazendo o que foi decidido. E, dessa forma, seguir com a proposta que ela tinha para o mundo. Ou seja, a pessoa não mudou, ela se transformou.
E quando alguém se oferece a atuar como mentor, o que ele está buscando, exatamente?
Em primeiro lugar, precisamos lembrar que todo o fenômeno de mentoria está baseado num voluntariado. Ele precisa se perguntar: eu quero provar a minha capacidade de influência nas pessoas? Quero que essa pessoa se lembre de mim como alguém que produziu a sua transformação? Quero uma recompensa disso? Ou quero viver com essa pessoa um processo que não é somente útil para ela, mas também para mim, para que o efeito aconteça? Perceba a diferença, de que não existe um papel de autoridade nessa história. Ambos, mentor e mentorado, estamos aprendendo juntos.
O processo transformador
Na condição de mentor, ao acolher, ouvir, receber as questões que permeiam a vida do mentorado, conforme seus relatos, o mentor também exerce seus próprios valores. E junto com o mentorado, você pode oferecer oportunidades de reflexões para expandir a visão e abrir janelas.
Você não está salvando alguém quando é um mentor. E também não é uma relação de ganhos, mas sim de benefícios. Se você pensa em ganhar algo, significa que alguém vai perder. E não é essa ideia que a mentoria propõe. É o alcance mútuo de benefícios. Você está beneficiando alguém, ou a um grupo. E você também se torna um aprendiz, você também está aprendendo dentro desse processo.
Esqueça essa onipotência de achar que é melhor que outro, de achar que é possível transformar o outro. Isso é um autoengano terrível, porque não temos nenhum poder sobre o outro. Somente temos uma obrigação que nós nunca podemos abandonar, que é fazer os melhores convites para outro. Convites honestos, reais, desinteressados, com intenção verdadeiramente de trocar, de compartilhar. Não temos o poder de deixar o outro bem ou mal, mas sim de convidar para a transformação, e uma transformação que essa pessoa mesmo irá encontrar.
A mentoria traz esse despertar, esse toque emocional que se associa aos significados da vida, dos eventos, e somos convidados a participar, a compartilhar. E aprendemos muito durante essa troca. Ao final de tudo, temos um ponto de partida e de chegada quando falamos de transformação. Não é somente criar ilusões, é viabilizar a criação de histórias.
Para isso, o próprio mentor terá que resgatar suas próprias histórias, especialmente de seus fracassos, que foram os seus marcos de transformação. Prepare-se para viver com maestria esse momento junto com o seu mentorado, e aproprie-se desses seus sentimentos para que seja o seu ponto de transformação.
Por Rosa Bernhoeft
Especialista em liderança e gestão de altos executivos, sócia-fundadora da Alba Consultoria, criadora de conceitos e metodologias para gestão de carreira, treinamento e desenvolvimento.