Desde que Burnout foi finalmente entendido como doença do trabalho não podemos deixar de dialogar sobre ele. Em 2020, escrevi um texto no LinkedIn sobre a exaustão que antecede o Burnout e o cuidado que precisávamos ter. E não é que agora finalmente entendemos a problemática?
Uma das causas de tantos casos de Burnout nos dias atuais é a nossa não habilidade em executarmos diversos papéis em um único papel. Deixa eu abordar melhor este tema:
“Há tempos tínhamos espaço para termos diversos papéis que eram bem definidos e separados pelos espaços físicos que habitávamos. Em casa/família éramos mães, pais, filhxs, tixs, avxs; nas empresas éramos funcionárixs, donxs; nas interações sociais éramos colegas, amigxs, ombro para xs outrxs; e assim por diante, isto significa que cada espaço físico, definia um papel diferente. Mantínhamos o mesmo caráter, os mesmos valores, mas mudávamos o nosso papel de forma bem definida.
Goffman (1989, 1959) comparou os papéis sociais a uma representação teatral, pela qual um ator encena, para uma plateia, um roteiro determinado em um palco específico. O ator seria o agente de papel; a plateia, os espectadores de papel; o roteiro, os rituais e as rotinas desempenhados; e o palco, o espaço representacional, local onde o papel é exercido.
Veio a pandemia, veio o isolamento social e aí? Aí que tivemos que exercer diversos papéis em um único ambiente. A gente não conseguiu fechar a porta do nosso espaço em casa e exercer um papel inteiro no trabalho; a gente não conseguiu almoçar socializando com nossxs colegas, exercendo o papel inteiro; a gente não conseguiu brincar em casa e estar inteirx nesta brincadeira. Tivemos que vestir uma única “roupagem” multi, sem espaços definidos para cada um de nossos papéis. Nota que Biddle, 1979; Levine e Sandeen, 1985 apontaram que o que causa conflitos entre os papéis é a sobrecarga deles. Isto acontece quando assumimos um papel com muitas exigências e expectativas, que é exatamente o papel de dar conta “do tudo”que a pandemia nos trouxe.
O nosso sistema emocional entrou em check! Aquilo que conhecíamos como espaço (papel) de descompressão do trabalho, descompressão da carga familiar, simplesmente acabou! Qual o resultado? Uma exaustão profunda! Está mais do que provado que o conflito de papéis, entre o trabalho e a família nos leva a exaustão emocional (Nordenmark, 2002; Simbula, 2010). E para as mulheres isso ficou ainda pior. Dá uma olhada nesta pesquisa:
Não é somente a tela do zoom que cansa, a nossa não habilidade em termos um único papel e este exigir todos os papéis, é insano e isto cansa emocionalmente. Quando isso vai acabar? Eu não sei! Será que um dia voltaremos a ter aquele cansaço gostoso, digo, somente o cansaço físico e mental, mas com o emocional saudável? Não basta a pandemia acabar, vamos ter que nos readaptar aos papéis bem definidos e isso também vai nos exaurir. Desculpe o choque de realidade, mas nada melhor que a sanidade para enfrentarmos os desafios futuros. O cansaço emocional não vai acabar com a pandemia…. Salve-se quem puder!
Para saber mais, que tal ler:
GOFFMAN, E. 1989 [1959]. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes, 233 p.
GOFFMAN, E. 1999 [1961]. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva, 316 p.
NORDENMARK, M. 2002. Multiple social roles – a resource or a burden: Is it possible for men and women to combine paid work with family life in a satisfactory way? Gender, Work, Organization, 9(2):125-145.
SIMBULA, S. 2010. Daily fluctuations in teachers’ well-being: a diary study using the Job Demands-Resources model. Anxiety Stress Coping, 23(5):563-584.
Por Livia Mandelli
Consultora na área de Gestão de Pessoas na Mandelli & Loriggio Associados e consultora convidada da Mandelli Consulting Canadá, especialista em remodelagem comportamental de executivos. É membro da The International Honor Society in Psychology, Society for Industrial and Organizational Psychology, International Society for Emotional Intelligence e The National Society of Leadership and Success.
Saúde mental, precisamos falar disso
Desde que Burnout foi finalmente entendido como doença do trabalho não podemos deixar de dialogar sobre ele. Em 2020, escrevi